Ex-comandante geral da Polícia Militar tentou adiar interrogatóriom mas juiz negou
O ex-comandante da Polícia Militar, coronel Zaqueu Barbosa, negou nesta sexta-feira (27) ter ordenado um suposto esquema de grampos clandestinos operado em Mato Grosso.
Ele presta depoimento na 11ª Vara Militar do Fórum de Cuiabá, na ação penal que apura os crimes militares relativos ao caso.
A defesa do coronel havia pedido para ele não depor nesta tarde, alegando problemas de saúde. O ex-comandante da PM tem hérnia inguinal. O juiz Murilo Mesquita, no entanto, negou o pedido.
Além de se queixar de dores em decorrência do problema de saúde, ele também chorou ao se recordar de seu pai, que morreu em 2016, vítima de câncer.
Além dele, também são réus do esquema e devem ser ouvidos hoje os coronéis Evandro Alexandre Lesco e Ronelson Barros, ex-chefe e ex-adjunto da Casa Militar, respectivamente; o coronel Januário Batista; e o cabo Gérson Correa Júnior.
O esquema funcionava por meio da tática de “barriga de aluguel”, quando números de pessoas que não têm qualquer relação com investigações policiais são inseridos de maneira disfarçada – sob outras identificações –, em pedidos de quebra de sigilos telefônicos feitos à Justiça.
Eu adiei uma cirurgia marcada para ontem por conta desse interrogatório. Foi adiada para amanhã. Mas não me sinto em condições confortáveis pra estar aqui
No depoimento, Zaqueu afirmou que não estava se sentindo bem para depor.
“Eu adiei uma cirurgia marcada para ontem por conta desse interrogatório. Foi adiada para amanhã, porque não tenho nada a dever. Mas não me sinto em condições confortáveis para estar aqui. Eu faço uso de medicamentos tarja preta. Pretendo, na medida do possível, não ficar em silêncio”, disse.
“Sei o que fiz, mas estou prejudicado. Porque não me sinto confortável nem sentado nem em pé”, afirmou.
O magistrado advertiu o ex-comandante dizendo que o pedido dele para não depor foi negado por falta de respaldo documental. Mas afirmou que ele pode ficar em silêncio, se assim preferir.
Diante da negativa de Zaqueu em ficar em silêncio, o magistrado o questionou sobre como teve início o Núcleo de Inteligência da PM.
Zaqueu explicou que a criação ocorreu porque os desvios de conduta de policiais militares precisavam de solução.
“A estrutura de inteligência sempre existiu e a legislação ampara isso”, disse.
Conforme Zaqueu, em 2014, houve denúncia de que alguns policiais de Cáceres estavam envolvidos com tráfico de drogas. E na época ele foi até o Município a pedido do então comandante geral da corporação.
“Lá o juiz da Comarca me relatou os desvio de conduta dos policiais. Tudo já havia sido encaminhado, mas estava parado por conta de sobrecarga de serviço do Gaeco”, argumentou.
Ele contou que o Núcleo de Inteligência da PM passou a investigar os policiais e o juiz de Cáceres autorizava as escutas.
“Ganhei uma placa de escutas do coronel Celso Barbosa. Eu consultei a assessoria jurídica da Polícia Militar se poderia ter esse equipamento”, disse
Contou que pediu ao coronel Evandro Lesco, à época no Gaeco, para que cedesse o cabo Gérson Corrêa para analisar a placa de grampos. “Gerson avaliou que era precária, mas servia”, disse.
Alair Ribeiro/MidiaNews
O coronel relatou ainda que alguns pedidos de grampos foram enviados por ele pessoalmente ao juiz de Cáceres. “O Gerson tinha um local para este trabalho e sempre a PM pediu que isso fosse feito de fora dos batalhões”, disse, afirmando que todas investigações eram lícitas e que procurou “policiais limpos” para fazer o serviço.
O juiz o questionou sobre os relatórios com as determinações para escutas repassados pelo magistrado Cáceres.
“Não sei número. Li alguns. Eram encaminhados ao meu email, que cabo Gerson tinha acesso. Meu email particular”, afirmou.
“Não pedi para incluir nenhum número”
Zaqueu afirmou que a maioria das escutas eram passadas para ele documentalmente.
“As escutas que eram passadas para mim geraram inclusive prisões de policiais militares, ações que inclusive tramitavam nessa vara”, disse.
O ex-comandante relatou, porém, que nunca pediu para incluir número de telefone de políticos, jornalistas, servidores e outros nas interceptações.
“Nunca pedi a nenhum policial, nem a agente de inteligência, para acrescer nenhum número em lista de interceptação. Até porque para pedir eu teria que documentar”, disse.
Ele relatou ainda que nenhuma outra pessoa lhe pediu para colocar números de terceiros na interceptação. “Até porque sabem que se pedissem pra mim, seria negado”, afirmou.
O magistrada questiona se ele não detectou números diferentes nos relatórios de interceptações.
“Mesmo se tivesse passado pela minha mão, eu não saberia se esses números correspondiam a pessoa. Eu não tinha essa atribuição. Quem tem é o MPE e o Poder Judiciário”, disse.
Mesmo se tivesse passado pela minha mão, eu não saberia se esses números correspondiam a pessoa. Eu não tinha essa atribuição. Quem tem é o MPE e o Poder Judiciário
“Devem ter ocorrido alguns erros materiais aí. Mas não sei quem era responsável. A única coisa que eu sei é que eu não fiz”, relatou.
O juiz questionou de onde partiu o erro.
“O senhor vai ter que perguntar para um analista. Não fui eu que coloquei esses nomes aí”, frisou.
“Tudo que fiz foi legal”
Conforme Zaqueu, ele tomou conhecimento da grampolândia através de uma conversa com o ex-secretário de Estado de Segurança, Mauro Zaque.
“Ele disse que o governador e ele decidiram que eu deveria deixar o Comando porque eu estava fazendo interceptação. Eu disse que não fazia nada de errado. Que tudo era legal”, afirmou.
Eu disse ao Mauro Zaque que tudo que fiz ele o Fábio Galindo [também ex-secretário] têm conhecimento. O cargo é do governador. Se vocês quiserem que eu passe o comando, marquem e data e dizem pra quem”, disse.
O juiz questionou o ex-comandante sobre o sistema de escuta chamando “Sentinela”.
“Eu tomei conhecimento desse nome através da imprensa. Eu nunca participei do aprimoramento do sistema. Quando se compra um equipamento de inteligência, isso é feito de modo sigiloso. É por isso não tem portarias nem publicações a respeito”, disse.
Zaqueu chora em depoimento
O promotor Justiça, Allan Sidney do Ó Souza, questionou Zaqueu porque deixou o cargo de comandante geral.
Ao responder, ele lembrou que à época o pai foi diagnosticado com câncer, com evolução para metástase, e não quis realizar o processo de quimioterapia. Nesse o momento, o ex-comadante se emocionou e chorou na audiência.
O pai de Zaqueu acabou falecendo em 2016 em decorrência da doença e ele entregou o cargo ao secretário à época, Fábio Galindo.