Dados são do Tribunal Regional do Trabalho; em 2 anos, foram expedidas mais de 2 mil carteiras de trabalho
Em menos de 10 anos, duas grandes ondas migratórias desafiam governo e a sociedade mato-grossense: 115 venezuelanos e mais de 3,5 mil haitianos chegaram a Cuiabá.
Isso é o que mostra relatório divulgado na última semana pelo Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso, colhidos no Instituto de Migrações e Direitos Humanos. No entanto, os números podem ser bem maiores, já que muitos vêm por conta própria, segundo a coordenadora da Pastoral do Migrante de Cuiabá, Eliana Aparecida Vitalino.
Independentemente da nacionalidade, todos chegam a Mato Grosso com um principal objetivo: encontrar emprego.
Em 2010, após um terremoto de grandes proporções, foi do Haiti que saíram centenas de pessoas.
Em Mato Grosso, eles acabaram trabalhando principalmente na área da construção civil, movimentada pelos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, cuja capital do Estado era uma das sedes.
Já em 2018, os venezuelanos chegam fugindo da fome no país natal, que hoje enfrenta uma inflação desenfreada e falta de empregos, alimentos, itens de higiene pessoal e remédios.
Para inserir os refugiados no mercado de trabalho, de 2016 até março de 2018, foram expedidas mais de 2,5 mil carteiras de trabalhos apenas em Mato Grosso.
Conforme a coordenadora da Pastoral do Migrante, Eliana Aparecida Vitalino, haitianos e venezuelanos têm características diferentes, mas ambos enfrentam problemas na hora de conseguir emprego.
“Os haitianos, em geral, têm mais dificuldades na comunicação e preferem trabalhos em empresas e na construção civil. Já os venezuelanos, em regra, são mais comunicativos, têm mais facilidade com o idioma e sabem trabalhar no campo, fazendas ou como caseiros”.
A procura da felicidade
“Um frango chegou a custar mais que um salário mínimo e nós estávamos desempregados. A gente comia, no máximo, uma vez por dia e, às vezes, nem isso”.
Com os olhos marejados, a venezuelana Denis González conta as razões pelas quais deixou a cidade de Maracaibo, a cerca de 700 km de Caracas, e veio para o Brasil com o marido, deixando os quatro filhos menores para trás com sua irmã.
O casal chegou a Cuiabá a bordo do avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em uma sexta-feira, 6 de abril de 2018, com um grupo de 66 compatriotas.
Eles foram os primeiros a desembarcar na capital de Mato Grosso por meio de um plano de interiorização do Governo Federal, organizado com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), que tenta aliviar uma crise sem precedentes de refugiados concentrados no estado fronteiriço de Roraima.
No dia 15 de maio, outros 29 venezuelanos também se somariam a eles em Cuiabá.
Alair Ribeiro/MidiaNews
A venezuelana Denis González quando chegou em Cuiabá, ainda na Casa do Migrante
Com uma história pouco comum entre os estrangeiros que chegam a Cuiabá, o casal não precisou procurar muito para encontrar trabalho.
Apenas três dias depois, Denis foi surpreendida com um convite para uma entrevista de emprego em uma escola particular.
A responsável pela contratação foi a diretora do colégio Notre Dame de Lourdes, a irmã Marluce Almeida, que ficou sabendo pela TV da chegada do grupo de venezuelanos.
“Fiquei muito emocionada com a reportagem e decidi que queria dar essa oportunidade para alguns deles aqui na escola”, conta.
O jornalista haitiano Sadraque Bon, de 31 anos, deixou seu país após perder tudo que mais importava na sua vida: além da casa e o terreno onde trabalhava, perdeu também o pai, que morreu de ataque cardíaco durante o forte terremoto que assolou o país.
O tremor de terras fez com que, em apenas 35 segundos, toda a nação fosse destruída.
Segundo a ONU, a catástrofe deixou mais de 200 mil mortos, inutilizando cerca de 300 mil prédios, incluindo quase todas as instituições de governo.
A exemplo de tantos outros moradores daquele país, Sadraque veio para o Brasil na esperança de enviar dinheiro para sustentar a esposa e o filho, de apenas dois anos, que ficaram no Haiti.
Deixou a cidade de Jacmel, a 93,5 km da capital Porto Príncipe, e percorreu o trajeto mais utilizado por seus compatriotas: cruzou a fronteira com a República Dominicana e de lá foi para o Panamá, de onde seguiu viagem até o Brasil, via Equador e Peru. Então cruzou a fronteira pela cidade de Brasileia, no Acre.
Lá, foi atraído pelas notícias de que Cuiabá, uma das cidades sedes da Copa de 2014, vivia um “boom” no setor da construção civil.
No entanto, Sadraque explica que a falta de fluência no português sempre o atrapalhou na hora de conseguir um emprego, dificuldade também enfrentada pelo conterrâneo Emmanuel Germains, há três meses em Cuiabá.
Falando apenas algumas palavras em português, ele reclama que vê venezuelanos conseguindo trabalho enquanto ele permanece à espera.
Garantias legais
Existem diversos instrumentos legais para garantir o direito dos imigrantes em solo brasileiro, conforme explica o defensor público Roberto Vaz Curvo. O mais recente deles é a nova Lei de Migração, aprovada em 2017 e que, segundo ele, coloca o Brasil em posição de vanguarda ao garantir a igualdade de direitos a estrangeiros que chegam ao país.
Segundo o defensor, a nova legislação, entre outras mudanças, abandona a visão de que o imigrante é uma ameaça à segurança nacional e acaba com a criminalização por razões migratórias. “Agora, nenhum imigrante pode ser preso por estar em situação irregular”, explica.
Outro ponto destacado pelo defensor é a desburocratização da política imigratória, já que o processo de concessão de vistos humanitários se tornou mais amplo e fácil. “A ideia é garantir que pessoas em situação de risco possam chegar de forma segura ao Brasil”.
O respeito aos direitos dos imigrantes é garantido pela própria Constituição Federal e pelos tratados internacionais, complementa Vaz Curvo. “O Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de direitos humanos e é parte da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e do seu Protocolo de 1967”, acrescenta.
O defensor destaca a importância de olhar para os imigrantes com uma visão mais humana e tratá-los como pessoas que vão se inserir na sociedade e contribuir com a construção do país, deixando suas marcas na cultura, na linguagem e na culinária.
“Na verdade, somos todos filhos de estrangeiros que, como eles, imigraram para sobreviver. Eu, por exemplo sou cuiabano, mas meu avô veio do Líbano”, pontua.
Fonte: http://www.midianews.com.br